sábado, 6 de dezembro de 2008

Sobre a corça sedenta

Como era de costume, algumas corças caminhavam tranquilamente em meio ao parque onde viviam. Este parque fornecia tudo o que era necessário para que uma corça levasse uma vida confortável. Os animais tinham a sua disposição as mais finas ervas para seu alimento, água pura e corrente para saciar a sua sede, e espaço para que seus filhotes crescessem e dessem continuidade àquela vida rotineira.
Mas, dentre elas havia uma corça, uma pequena corça, que não estava satisfeita com essa maneira de viver. As águas não saciavam a sua sede e as ervas finas há muito tempo haviam deixado de fortalecer o seu corpo. Ela queria mais, muito mais. Aos poucos ela foi ficando cada vez mais solitária, pois no íntimo do seu coração ela sentia que já não fazia parte daquele meio. As outras corças também se afastaram dela, achavam que ela estava enlouquecendo, afinal, o que mais poderia querer uma corça? Perguntavam elas, contemplando tudo que já possuíam.
Certo dia um rugido quebrou essa rotina. As corças ficaram assustadas, aquele era um som que elas nunca ouviram antes. O rugido chamou a atenção daquela pequena corça, entretanto, diferentemente das demais, ela não estava com medo. Era esse o som que durante todo o tempo ela ouvia em seu coração. Ela sabia que esse era o seu chamado. Porém, ela estava momentaneamente confusa, seus ouvidos ouviam, mas seus olhos não encontravam a direção que deveriam tomar.
De repente, surge do meio da mata o Leão. Com seu olhar imponente, ele levantou questões que o bando não conseguia responder. Elas se perguntavam sobre os motivos daquela presença. Não era comum haver um leão entre elas, o habitat do Leão era muito distante dali. Mas sendo o rei que é, o Leão age de acordo com sua soberana vontade. Após um segundo rugido, as corças correram, deixando para trás a pequena corça, que permanecia ali, fascinada com aquela ilustre presença.
Então, o Leão se virou e correu na direção contrária ao bando, abrindo caminho pela mata. A pequena corça não pensou duas vezes, e correu atrás do Leão. Sedenta e consciente de que esse caminho a levaria a ser livre, ela apenas o seguiu. Durante toda a busca, a corça alimentou esperanças em seu coração, que anseava em alcançar o Leão.
Em todo o percurso, a corça enfrentou dificuldades, afinal uma corça não é naturalmente dotada da mesma mobilidade de um Leão. Mas o desejo que a movia não era natural. Sendo assim, ela não desistiu, nem olhou para trás. Ela não queria perder de vista o Leão que ia a sua frente. E a busca não terminava. Aos poucos a paisagem foi mudando, e o que antes era um atraente parque, logo deu lugar a um deserto. Esse era mais um motivo para a corça não desistir. "Ora, parar em um deserto é servir de alimento para os abutres", pensava a corça.
No cair da noite, o Leão parou sobre uma duna. Lá do alto, ele enxergava a corça, que por sua vez também parou. Novamente ele se virou e desceu. Por estar em um lugar mais baixo, a corça não viu para onde havia ido o Leão. Sedenta e cansada, ela começou a chorar. De tão altos, seus gemidos espantaram até os abutres, que não se atreveram a chegar perto da corça. Ao ouvir este clamor, o Leão voltou à duna. Vendo que a corça precisava dele, deu o mais alto de seus rugidos, e descendo novamente, em seguida.
Motivada por aquela poderosa voz, a corça encontrou forças para subir a enorme duna. Lá de cima, ela se surpreendeu. Do outro lado havia um oásis, onde o Leão a esperava. A corça, então, desceu correndo e foi matar sua sede em um lago que havia bem no meio daquele pequeno paraíso. Às margens do lago, a corça se deitou.
O Leão se aproximou dela, deitando-se ao seu lado. Demonstrando um inexplicável amor, o Leão começou a lamber a corça. Ela mais uma vez se surpreendeu. Este ato a fez lembrar da sua incessante busca. Neste momento ela se deu conta de que já não era mais uma pequena corça. A busca havia fortalecido o seu corpo.
As noites no deserto são muito frias. Sabendo disso, o Leão colocou sua pata sobre a corça, afim de mantê-la aquecida. Depois de tamanho esforço, a corça provavelmente acordaria com dores terríveis que a impediriam de caminhar novamente. E isso não poderia acontecer, pois a busca continuaria pela manhã.

Um comentário:

Unknown disse...

linda demais essa mensagem...